Friday, April 10, 2015

Alô

" Abriu os olhos, já era quase noite. O cochilo da tarde demorou muito para acabar. Uma pena, tinha planos para ver o pôr do sol, ou simplesmente aproveitar melhor o dia de folga. Tava com saudades até de andar no bairro onde mora. Sufocado pela falta de tempo, poucos eram os amigos que via, mas todos eram por acaso. Pegou o celular para ver as horas, alguma mensagem, ligações perdidas. Nada. Esquecimento total. Pensou em ligar para algumas pessoas, mas lembrou que ainda era cedo, no meio da semana. Claro, ainda estavam trabalhando, não iria conseguir ver ninguém.

Levantou já com o banheiro em mente e foi direto. Escova de dente usada recentemente já estava em mãos, sentia um gosto amargo na boca, e não era do almoço. Não importava, ia embora agora. Com o sabor do creme dental, vieram outras lembranças. Pensou em ligar mais uma vez, dessa vez a alguém especial... ou nem tanto. Apenas sentiu falta, talvez. A volta ao quarto iria esperar mais um pouco, deveria beber um copo d'água para molhar a garganta seca. Bebeu pensando se uma cerveja seria melhor, ou se a água bastava. Percebeu que acordou com muitas vontades, e obviamente, muitas saudades.

Voltou ao quarto. Calor. Ventilador ligado, mas ainda sim, muito calor. Já não tinha um sol forte brilhando, mas o clima de primavera ainda era quente. Pegou o celular já com nomes no pensamento. Preferiu ver primeiro aplicativos de mensagens, ver se teve uma lembrança. Algumas mensagens do trabalho, outras não. Respondidas, percebeu que com quem queria falar, não deu sinal de vida. Era hora de ligar, claro. Ouvindo o som do chamado no outro lado da linha, percebeu que não pensou em alguma possível desculpa caso fosse preciso. Não importava, não era hora para mentir, ainda estava um tanto sonolento.
- Há quanto tempo! - Era ela, reconheceria essa voz mesmo sem precisar ouví-la com precisão. - Que milagre é esse de você lembrar de mim?
- Deixe de ser sem graça, você sabe muito bem que não ando tendo tempo de mais nada. Está tudo bem com você? - Não mentiu. De fato, seu tempo livre foi reduzido, e quando tinha tempo, às vezes só queria descansar.
- Tudo ótimo, sumido. E com você? - Era notório em seu tom de voz que estava feliz em falar com ele. Sem pressa, sem tentativa de encerrar o assunto. Apenas queria ouvir dele que estava muito bem.
- Tudo bem comigo também. Bateu uma saudade de você, ai decidi ligar. - E mais uma vez, não mentiu.
- Saudade, ou solidão? - Já o conhecia bem. Seus momentos solitários eram sempre um com o outro, não adiantava negar.
- Saudade mesmo. Da solidão eu não sinto falta. - A piada era inevitável, mas mais uma vez não mentiu. Como sentir falta de algo que nunca foi embora?
- Ah, sei. Ta fazendo o que hoje? Ta de folga?
- Tô de folga sim. Hoje eu pensei em fazer algumas coisas, juntar umas tralhas pra jogar fora, ou doar, não. Acabei de cochilei mais do que deveria.
- É, eu lembro do seu sono quando cansado.
Ah, fala sério, não quero falar sobre isso. Vai fazer o que hoje?
- Até então, nada, mas quando você me liga, sempre surge um convite. Qual a ideia?
- Me conhece mesmo, né? Nada demais, só um vinho aqui em casa e atualizações de vidas. Topa?
- Na hora. Mas poderia ser aqui na minha casa? Não tô tão bem para sair.
- Tudo bem, chego em uma hora.
- Massa, to esperando. Uma hora, não se atrase.

O término da conversa sempre é assim, um sorriso sincero, uma boa lembrança, uma boa oportunidade de carinhos e desejos que por muitas vezes colocados de lado. Um banho, uma roupa legal, um bom perfume e cabelos penteados. Barba devidamente comportada. Chaves do carro em mãos. Tudo garantido. Esqueceu de perguntar se petiscos seriam bem-vindos, mas com certeza não haveriam motivos para recusar. Ao sorriso bonito que a alma dava, mesmo sendo um reencontro simples, dava uma forma de sentir-se vivo sendo uma boa companhia já estando em boa companhia. Sentir o calor sem precisar tocar. Sentir a barriga doer de tanto gargalhar. Ou apenas sentir."